A Lei Tríplice
- Henry Barbosa
- 12 de fev. de 2022
- 6 min de leitura
A Lei Tríplice nasceu anos antes da Wicca e não foi agregada aos seus dogmas tradicionais até hoje, fazendo parte apenas de algumas tradições mais modernas e covens isolados. É também muito confundida com punição ou recompensa por atos praticados, mas esta muito distante disso. Vamos desmitificar essa lei através das falas de quem assistiu á sua formação e aplicação e simplificar para entender.

No ano de 1949 Gerald Gardner publicou um livro sobre magia e bruxaria chamado Com o Auxílio da Alta Magia(High Magic’s Aid), publicado originalmente como um romance, pois a lei inglesa anti-bruxaria ainda não havia sido revogada. Neste livro ele descreve alguns rituais antigos da bruxaria que aprendeu com a sacerdotisa que o havia iniciado, Old Dorothy. Neste romance ele descrevia uma reação, uma resposta e um retorno potencializado três vezes atuando sob quaisquer ato mágicko que o iniciado praticasse, a descrição era vaga e sem profundidade, mas serviu para basear, anos depois, a Lei Tríplice.
"Then she took the cords, and prompted him to bind her as he had been bound, then she spoke. Learn, in witchcraft, thou must ever return triple. As I scourged thee, so thou must scourge me, but triple, where 1 gave thee three strokes, give nine, where seven, give twenty-one, where nine, give twenty-seven, where twenty-one, give sixty-three. (For this is the joke in witchcraft, the witch knows, though the initiate does not, that she will get three times what she gave, so she does not strike hard.)
Jan was nervous but she insisted, and at last he gave her the required number, but struck very lightly.
Then she said; Thou hast obeyed the law. But mark well when thou receivest good, so equally art bound to return good threefold." High Magic's Aid (Com o Auxílio da Alta Magia) - G.Gardner, 1949 p.188
"Ela pegou as cordas e fez ele atá-la como ela havia feito com ele antes, para depois dizer: Aprenda, em bruxaria, tu deves sempre retornar o triplo. Tal como te açoitei, assim deves em mim fazê-lo, mas o triplo, quando te açoitei três vezes, açoite-me nove, quando foram sete, em mim sejam 21, quando nove, que sejam 27, quando 21, açoite-me 63 vezes. Pois esta é a piada na bruxaria; a bruxa sabe, embora o iniciado não o saiba, que ela terá em triplo o que concedera, de modo que não açoita com força.
Jan estava nervoso, mas ela insistiu... e, por fim, ele açoitou-a de acordo com o número de vezes necessário, mas golpeou bem levemente.
Então, ela falou: Tu obedeceste a lei. Mas note bem, quando receberes algo de bom, da mesma forma és levado a retornar o bem três vezes."
(Tradução)
Esta é a única citação ao que parece ser a ideia de Lei Tríplice, uma reação tripla aos atos praticados pela bruxa, mas como podemos notar, é vaga, é uma bruxa ensinando uma lição a um iniciado através de uma alegoria e é tudo isso o que temos sobre.
Essa ideia é publicada em 1949, cerca de três anos antes de Gardner apresentar à Inglaterra a religião e a tradição da Wicca. E ao fazer isso, deixou de fora essa ideia de triplo retorno, talvez porque fosse algo mais alegórico para o romance ou simplesmente por que essa ideia não faz parte da wicca. A questão é que algum tempo depois, isso se espalhou como uma lei originalmente e exclusivamente Wiccana e se consagrou assim.
Doreen Valiente foi a mão direita de Gardner na organização e na elaboração de diversos textos e fundamentos da wicca e durante a Conferência Nacional da Federação Pagã em 1997, ao ser questionada sobre a Lei Tríplice, ela simplesmente diz que não acredita nela e complementa: “Um ensinamento de Gerald que eu tenho discutido é a crença conhecida popularmente como 'A Lei Tríplice'. Ela nos impõe que tudo o que lançarmos na wicca retornará três vezes, para o bem ou não. Bom, eu não acredito nisso! Por que deveríamos acreditar que existe uma Lei do Karma especial que se aplica somente aos wiccanos? Pelo amor da Deusa, será que isso é mesmo importante? Eu ainda digo, muitas pessoas, especialmente nos EUA, têm tomado isto como um artigo de fé. Eu nunca vi isso em nenhum dos antigos livros de magia, e eu acho que Gerald inventou isso”.
Mas eai, o que é a Lei Tríplice?
A Lei Tríplice diz que toda ação tem uma reação, uma resposta, um reflexo e que esse retorno será triplicado, e será nesta vida, geralmente instantâneo ou bem rápido, como o exemplo das cordas na citação acima. Mas esse retorno é muito mal interpretado, talvez até por nós, então aqui vai alguns comentários de pessoas influentes, comentários de nossa tradição, comentários pessoais e várias possibilidades de interpretação. Sugiro firmemente que, caso seja um iniciado, busque a sua própria verdade neste assunto. Ou simplesmente não use a lei.
Um erro comum, extremamente comum, tão comum que até mesmo Doreen Valiente o cometia várias vezes, que é o de introduzir conceitos de Karma, castigo ou recompensa, conceitos talvez como céu e inferno, não levando em consideração que a wicca trabalha com polaridades complementares como masculino e feminino, mas não opostas como bem e mal por exemplo. A visão da natureza e a observação das leis naturais é algo recorrente na pratica wiccana, então a questão do universo punir ou dar recompensas por atos praticados ou até mesmo a questão da energia magicamente se multiplicar em três parece ilógica, irracional.
Raven Grimassi diz que: “Na Wicca moderna dizem que esta lei devolve a energia 'três vezes' na mesma intensidade com a qual ela foi enviada. Em outras palavras, se um Wiccano lança um feitiço, por conseguinte, energia retorna depois, triplicada para a pessoa que o lançou. Curiosamente, não existe uma contraparte para este princípio na Natureza ou na física. Sob as leis mundanas da física, se um objeto for arremessado para cima, ele naturalmente descerá na mesma medida proporcional com a qual ela subiu. Isto é por causa da força da gravidade exercida no objeto ser igual tanto na subida quanto na descida.
Um outro meio de compreensão da Lei Tríplice, de um modo mais consistente com os caminhos da Natureza, é concebê-la como um relacionamento de “causa e efeito”. Por exemplo, se você ajudar alguém em desgraça, você normalmente vai se sentir bem a respeito do que fez e consigo mesmo como pessoa. Isto vai influenciar os seus pensamentos. Em outras palavras, o seu estado de consciência foi alterado. Isso afeta a maneira como se sente porque ela mexe com as suas emoções, e as emoções afetam o corpo. Eles tem um efeito físico no corpo porque as emoções causam secreções glandulares que entram no seu sistema sanguíneo. O estado mental e corporal resultante afetará o seu espírito. Deste modo, você foi afetado nos três níveis por uma única ação. A sua mente, o corpo e o espírito responderam à energia, um retorno tríplice em um relacionamento de causa e efeito.”
E essa interpretação, além de poder ser observada e experimentada, é condizente com as leis naturais. Podemos entender a Lei Tríplice como uma "atualização" da Lei do Retorno, ou mesmo um olhar mais delicado á essa lei, podendo assim ser observado efeitos em vários níveis, no caso, em três níveis diferentes.
Castigo ou Recompensa?
Nenhum. Como vimos no exemplo acima, ajudar uma pessoa em desgraça trouxe resultados benéficos aos dois, ao desgraçado e à pessoa que o ajudou. Mas isso define que se uma pessoa fizer ou causar algum tipo de prejuízo, sofrerá com prejuízos também?
Não, ou sim, quem sabe? A mente humana é muito vasta, é muito diversificada, é muito volátil. Uma pessoa pode escolher ajudar alguém em desgraça e o resultado não ser tão benéfico quanto a bruxa imaginou que seria, os efeitos disso podem ser danosos, trazer uma culpa ou um sentimento ruim à bruxa que o ajudou, mesmo que inicialmente sua mente estivesse pensando em ajudar. O mesmo para uma pessoa que escolhe ativamente fazer algum prejuízo, a pessoa pode entender que o ato trouxe benefícios para si e essa energia que volta pode ser benéfica. Não temos o absoluto controle do retorno.
E como reflexão sobre o tema, pense: "Se eu pratico atos benéficos apenas por medo de possíveis reações com prejuízo, sou realmente uma bruxa boa?"
Leitura sugerida: Acima do Bem e do Mal
Mesmo inexistindo o conceito de bem ou mal na wicca, há um senso de moralidade e ética, ou seja, sabemos o que é certo ou errado, seja em sociedade ou de forma solitária.
A Rede Wiccana, que serve como uma base ética, estabelece que "Faça o que quiser, sem a ninguém prejudicar", a parte do "prejudicar" pode ser extensamente interpretado e aplicado mesmo em situações que parecem benéficas, então é bem comum que wiccanos realizem apenas trabalhos pessoais, que não se envolvam em questões alheias a si ou ao coven, o que não é proibido, claro.
Patricia Crowther diz que: "Se uma bruxa levanta-se intencionalmente para prejudicar alguém, ela não poderia estar quebrando uma lei estrita, e assim caindo na ira da Deusa, mas estaria também se pondo em risco, pois a magia realizada poderia retornar a ela três vezes."
E vale lembrar!
A Lei Tríplice é atuante com Wiccanos, ou seja, com iniciados na religião. E somente se o coven ou tradição trabalharem com tal conceito. Caso contrário, a bruxa não esta sujeita à essa lei. Na Wicca Moderna, ou seja, tradições mais recentes, posteriores à Gardner e Sanders, essa lei é muito mais presente e importante, tornando-se quase que um dos pilares da religião.
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